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27/11/2013

“Devia ser tão óbvio escolher eletricidade verde como dar o lugar no metro a uma pessoa idosa"


O presidente da direção da recém-criada Coopérnico, a primeira Cooperativa Portuguesa de Energias Renováveis, considera que escolher eletricidade verde é “uma questão de cidadania”. Em entrevista ao Portal das Energias Renováveis, Nuno Brito Jorge apresenta a fórmula para conciliar objetivos sociais e ambientais na área da energia.

PER: Como e quando surgiu a ideia de criar uma cooperativa de energias renováveis em Portugal?
Nuno Brito Jorge: A ideia surgiu de uma grande vontade de mudar o paradgima social, ambiental e empresarial atual, e de envolver os cidadãos nessa mudança. Tudo começou em meados de 2011 quando, com alguns amigos, decidimos aplicar poupanças num projeto de energia fotovoltaica. Acabámos por criar uma empresa social, a Boa Energia, mas a ideia da Cooperativa ficou. O primeiro projeto correu bem, fizemos outro, convidámos mais algumas pessoas que se reviam neste conceito e assim nasceu a Coopérnico.

Quantos elementos tem?
Somos uma iniciativa do "domínio público" há pouco mais de duas semanas. Além dos 16 fundadores, já alcançámos os 45 membros. Podemos dizer que estamos bastante satisfeitos com estes primeiros dias. Já recebemos várias dezenas de pedidos de informação e também muitas ofertas de pessoas interessadas em ajudar como voluntários.

Qual o vosso objetivo em número de elementos?
O nosso objetivo é chegar aos 150 membros até ao fim do ano. A longo prazo não há metas ou limites. Em países como Espanha, França, Dinamarca, Alemanha, entre muitos outros, há cooperativas de renováveis que têm desde 100 a 100 mil membros.

Que novo modelo energético, social e empresarial querem implementar?
No que respeita à energia, queremos contribuir para um modelo energético eficiente e inteligente, com eletricidade renovável e produção descentralizada, de forma a promover ativamente a independência energética, fator preponderante no défice do nosso país. É difícil prever o futuro, mas uma coisa é certa, o estilo de vida mais sustentável para o qual lentamente caminhamos precisa de eletricidade limpa e sempre disponível. Social e empresarialmente, temos duas áreas principais em que procuramos criar valor: cidadania e ação social. O primeiro, porque ao ser uma cooperativa, a Coopérnico é uma empresa dos cidadãos, gerida democraticamente por pessoas que se juntam contribuindo para um fim e rentabilizam poupanças a fazê-lo. O segundo porque queremos, através da nossa atividade, juntar os benefícios sociais e ambientais, como acontece nos nossos projetos com IPSS: durante um determinado período de tempo pagamos uma compensação pela utilização do espaço (das instalações de produção) e, decorrido esse período, cedemos o equipamento à entidade, que passa a produzir eletricidade limpa e grátis. Deixa-nos muito orgulhosos saber que os nossos projetos têm tantos benefícios para o ambiente, o clima, os investidores, os cidadãos, as organizações de solidariedade social, etc. Acreditamos que cada vez mais as empresas devem seguir um caminho semelhante.

Um dos vossos princípios é a solidariedade. Como é que pretendem ajudar as famílias portuguesas nesta altura de crise e o ambiente através das renováveis?
Estamos numa fase complicada da vida social em Portugal, em que é preciso ter a capacidade de pensar a longo prazo e procurar alternativas sustentáveis. No que respeita às famílias o nosso contributo imediato é o rendimento que proporcionamos às IPSS (onde os filhos, familiares e amigos estudam ou recebem apoio) e que representa uma pequena ajuda para o desenvolvimento das suas condições atuais. A mais longo prazo, considerando a cedência dos equipamentos no final do período acordado e produção de eletricidade grátis, esta ajuda é ainda mais significativa. Além disso, importa referir que os projetos da Coopérnico resultam do investimento dos membros da cooperativa que, por sua vez, são pessoas e famílias que passam a ter acesso a uma forma de rentabilização das suas poupanças, o que permite que saibam onde as mesmas são aplicadas e que cria valor real (nas várias dimensões já abordadas). Também temos preferência pela contratação de empresas locais para implementação dos nossos projetos, promovendo o emprego local à nossa escala. Ambientalmente, estamos a contribuir para a utilização de recursos endógenos, redução do consumo de combustíveis fósseis, das emissões de CO2, de poluentes, todas essas vantagens já bem conhecidas das energias renováveis.

Podia descrever-me os projetos que já implementaram, especificando a capacidade, o local e o investimento dos mesmos?
Temos atualmente duas centrais fotovoltaicas a funcionar: 15kW na Quinta do Caracol, um turismo rural em Tavira (o nosso projeto-piloto) e uma central de 20kW numa creche da APPACDM Lisboa (Associação dos Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental). Os dois juntos representaram pouco mais de 60 000 euros de investimento e produzem eletricidade equivalente ao consumo de cerca de 20 famílias. Temos um pipeline de projetos bastante ambicioso e que irá sendo publicado no nosso site.

Em que projetos educacionais, de solidariedade e de proteção ambiental estão a trabalhar?
Tentamos que todos os nossos projetos de produção de energias renováveis reúnam as  características que refere. Solidariedade e educação porque envolverem organizações desses setores e de proteção ambiental porque se trata de energias renováveis. Além dos que já estão operacionais, os que se encontram num estado mais avançado de desenvolvimento, são com  a APPACDM Lisboa (além do projeto já implementado temos outro em desenvolvimento, o CAO Júlia Moreira), com a Associação Dr. João dos Santos (creche em Loures) e com o Centro de Bem-Estar Social de Alcanena. Há alguns mais em desenvolvimento e que achamos que poderão vir a ser surpresas interessantes.

E que planos têm para os próximos anos?
Temos metas definidas em termos de potência instalada, desenvolvimento de projetos de eficiência energética e do consumo de eletricidade verde, contudo, estamos dependentes do que será a política energética nos próximos anos. Também perspetivamos estabelecer parcerias ao nível da educação/sensibilização ambiental e energética e de prestação de serviços aos membros da Coopérnico, que já estão a ser desenvolvidas. Estamos a criar grupos de trabalho temáticos, que abordarão áreas relacionadas com a nossa atividade como, por exemplo, a educação ambiental (coordenador pela Ana Rita Antunes e Susana Fonseca, membros fundadores da Coopérnico e sócias da Quercus), que promoverá atividades dinâmicas para os menores de idade, a eficiência energética (coordenado pela Sara Ramos, vogal da Direção da Coopérnico, fundadora da Inenergi) que desenvolverá, entre outras coisas, um manual de eficiência energética nos estabelecimentos de ensino, nos lares e centros de apoio domiciliário. Estamos também em processo de criação de núcleos locais da Coopérnico, formados por pessoas que queiram criar dinâmicas nos bairros, comunidades ou cidades em que vivem, seja implementado os seus próprios projetos, participando em projetos da Coopérnico ou apenas divulgando a nossa atividade.

Como é que avalia o trabalho que tem sido feito até aqui na área das renováveis em Portugal?
Portugal foi, como todos sabemos, um país pioneiro na aposta em energias renováveis e continua a ser uma referência nesta matéria. Temos grandes projetos, como os parques eólicos de Norte a Sul ou as grandes fotovoltaicas no Alentejo. Temos empresas que foram pioneiras a investir, dentro e fora de Portugal em renováveis (como a EDP Renováveis ou a GENERG). Temos fábricas e fornecedores geram emprego e dos quais se fala pouco, como o cluster das renováveis em Viana do Castelo ou o setor da biomassa. Também nos pequenos produtores há um tecido empresarial constituído por centenas de empresas que geram emprego a muitas pessoas e que tem potencial para muito mais. Veja-se o caso da Alemanha que, com muito menos horas de sol, apresenta mais de 32 643 MW  fotovoltaicos de potência instalada contra os poucos mais 228 MW em Portugal. O atual Governo, apesar de ter barrado o desenvolvimento de novos projetos de grandes dimensões, permitiu que o setor das pequenas renováveis, ainda que fragilizado, continuasse em funcionamento (ao contrário do que sucedeu em Espanha). É preciso que sejam criadas as condições políticas para que o nosso potencial seja aproveitado e o novo Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia veio trazer alguma confiança no futuro das renováveis ao reforçar a defesa das renováveis e apresentar uma nova visão de Portugal como país exportador de eletricidade verde. E temos potencial para sê-lo, a demonstrá-lo estão os números.

Enquanto união, querem lutar por algumas mudanças no setor? Se sim, quais e como?
A principal evolução que gostávamos de ver acontecer, e que está diretamente relacionada com a nossa natureza democrática, é o autoconsumo de eletricidade, ou seja, a capacidade de qualquer cidadão ou empresa poder produzir a sua própria eletricidade e consumi-la, sem depender de tarifas bonificadas ou vendas diretas ao operador da rede elétrica. Há uma tendência evolutiva que democratiza a produção da eletricidade e coloca os operadores de rede e grandes centros produtores, como garantes da segurança da rede e do fornecimento, sendo remunerados por isso. Também queremos incrementar o consumo de eletricidade verde em Portugal. Creio que atualmente apenas a EDP oferece a possibilidade de comprar eletricidade verde aos seus clientes. Devia ser tão óbvio escolher eletricidade verde como escolher produtos locais/biológicos, imprimir em duas faces, dar o lugar no metro a uma pessoa idosa ou limpar os dejetos do nosso cão quando o passeamos. Uma questão de cidadania.

O que é necessário para se fazer parte desta cooperativa?
Apenas vontade, abertura de espírito e um mínimo de 60 euros para comprar três títulos de capital social no valo unitário de 20 euros.


PER


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